Porquê eu gosto tanto de Sonic and The Secret Rings? Uma questão de filosofia de design

Me dói no coração sempre que eu ouço alguém falar mal do Sonic. O coitado não está mais na boa forma que costumava exibir há uns dez verões, mas nem por isso deixa de ser um ouriço esforçado. Reconheço que os últimos jogos dele passaram muito longe de poderem ser considerados meramente passáveis, tendo no exemplo maior o terrível, impensável, hediondississíssimo Sonic The Hedgehog para PS3 e Xbox 360. Tão ruim que nem conseguiram pensar num subtítulo. Por essas e outras que, apesar de me doer o coração ouvir alguém falando mal de um personagem tão bacana, eu nem posso retrucar. Eles têm razão.

Exceto quando assunto vira para Sonic and The Secret Rings.

Já tive inúmeras discussões, tanto online quanto offline, no papel de defensor desse jogo. Inclusive uma delas foi com o sábio Fabio Santana, que pelo menos concordou com o meu argumento, ainda que não com a intensidade com que eu o defendia. E é simples. O maior defeito do jogo na opinião de todo mundo é o design de fases. Justamente o ponto que eu achei mais sensacional. É, aham. Eu gostei do design de fases.

Mas eu estou colocando a carroça na frente dos ouriços. Que tal clicar no link e me deixar defender a minha tese com mais calma?

Vamos tirar primeiro do caminho aquilo com que eu e você provavelmente concordamos:

1. Sim, colocar o Sonic numa aventura em clima de Mil e Uma Noites foi uma das idéias mais ridículas já concebidas em um brainstorming da SEGA, atrás somente de algumas outras como “Ei, e se a gente desse uma arma pro Shadow?”.
2. Sim, a trilha sonora é repetitiva e de qualidade extremamente questionável, especialmente a música-tema que toca toda santa vez que o menu é exibido entre as fases. Concordo e defendo fortemente o seu direito de tê-la odiado, embora eu tenha até gostado um pouco.
3. Sim, as fases realmente colocam coisas no teu caminho sem que você tenha a chance de desviar delas usando apenas os seus limitados reflexos de ser humano.

Mas agora me responda. Você já jogou algum jogo da série Burnout? Já jogou qualquer iteração da clássica série Ghouls n’ Ghosts? Já teve o prazer de experimentar a genialidade em forma de level design em Super Mario Bros 2 – The Lost Levels? Caso alguma das respostas tenha sido positiva, pergunto em seguida: gostou?

A “filosofia da fase contra você”
Se gostou, eu sinto muito, mas você não tem envergadura moral para criticar o design de fases de Sonic and The Secret Rings. Se você acha que tem, mal posso esperar para ouvir a sua tentativa de me convencer disso. O motivo é simples (e é ele que me incomoda): o mesmo motivo pelo qual esses jogos que eu citei são considerados ótimos é a chamada “filosofia da fase contra você”. Que é justamente o motivo pelo qual todo mundo mete o pau no Secret Rings.

Hoje em dia os jogos são pensados com a “filosofia da diversão acessível” (eu que estou inventando esses nomes, ok?), que consiste em criar uma experiência que possa ser aproveitada por todo tipo de jogador, do mais n00b ao mais l33t. Afinal, desde que os jogos deixaram de ser jogados na base da ficha e passaram a ser levados para casa, eles têm mesmo que se tornarem mais acessíveis. A “filosfia da fase contra você”, por outro lado, baseia-se no conceito simples de que o jogador é um adversário a ser vencido. Os games nasceram com esse conceito em mente, já que o objetivo do arcades era desafiar o jogador e fazê-lo morrer várias vezes e perder várias fichas até que conseguisse finalmente dominar o jogo. Vencê-lo. Beat it.

Sonic and The Secret Rings, assim como Burnout, Ghouls ‘n Ghosts, Lost Levels e tantos outros jogos, é pensado de acordo com a “filosofia da fase contra você”. A fase não está lá apenas para que você passe por ela sem mais dificuldades. Ela está lá pra te derrotar, pra limpar o chão com a sua cara. No caso, “a fase” poderia ser um sinônimo para “os designers de fases”. E esses carinhas são sacanas, eles pegam pesado. Aquele inimigo que você só viu depois que já tinha morrido carrega uma mensagem, e ela não é “foi mal, os caras deviam ter me colocado em lugar onde você pudesse ver de longe e desviar”. Não, ela está mais pra “TOMA, BABACA! Hahaha! Fase: um, jogador: zero! Da próxima vez vê se lembra de desviar, hein, perdedor?! Mas não adianta, porque eu vou te ver passando e vou rir da sua cara!”

E, cara, como é bom quando você passa riscando, com uma performance invejável, acertando milimetricamente cada curva e cada pulo de uma fase que já te matou dezenas de vezes! Dá uma sensação de superioridade incrível. Você fica realmente tentado a levantar do sofá, fazer a dança da vitória do Chandler e mostrar o dedo do meio para a TV, gritando coisas singelas como “CHUUUUUUUPA!”

Só para fechar o argumento, eu quero trazer a atenção novamente para o Super Mario Bros 2 – The Lost Levels. Qualquer um que já tenha jogado (se descabelado) as fases de sufixo “-4” dele sabe do que eu estou falando. Os castelos do Bowser nesse jogo trazem, além das plataformas e inimigos malignamente posicionados, um elemento de puzzle que consiste em fazer o jogador adivinhar o caminho a seguir por entre as plataformas. Se você insistir em tomar qualquer um dos caminhos que não seja o certo (por exemplo, passar por cima de uma roda de bolas de fogo quando deveria passar por baixo), a fase simplesmente se repete, num looping infinito. E sem nenhum aviso de que é isso que o jogo está fazendo, ou mesmo uma dica que ajude a descobrir o caminho exato que o jogo quer que você siga. Se um jogo de tamanha malevolência é considerado por alguns o ápice da genialidade de Miyamoto (e por quase todos os outros um jogo pelo menos muito bom), Sonic and The Secret Rings não pode ter o seu design de fases criticado.

I rest my case.

P.S.: Eu tinha outros argumentos preparados, mas acho que todos concordam que o post já ficou grande demais, certo? Se vocês quiserem (o que eu acho difícil), eu posso fazer uma segunda parte desse post.

Um wallpaper bonitão de presente pra você que leu até aqui.

Tags: Sonic, Secret Rings, Wii, Level Design